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sábado, junho 22

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Diário dos Mortos – A noite mais sombria






                Devo dizer que a iniciativa de minha gente estava sendo um sucesso. Marchamos munidos das mais diferenciadas armas, das pequenas até aquelas que uma pessoa não poderia levar sozinha. Nunca pensei que diria isso, mas nossos inimigos  eles pareciam temer MUITO nossas armas. Não se via nenhum deles nas ruas, todos escondidos, de tocaia em algum lugar seguro. Estava parecendo um filme de ficção científica, tipo Planeta dos Macacos. Acho que eu viajei no tempo e espaço, alterei alguma coisa na realidade, sei lá, pois era muito surreal o que estava acontecendo. Do ponto de vista lógico, até parecia que nós éramos os infectados e eles eram os sobreviventes. O mundo mudou tanto assim em apenas uma semana?
                Encontrei outras duas sobreviventes dos tempos em que o mundo era mais normal. Foi tão bom encontrá-las! Depois de tanto tempo, ver rostos conhecidos era sensacional, uma emoção que eu não consigo passar para o papel. Elas se juntaram a mim e pela primeira vez em muito tempo eu resgatei aquele sentimento de proteção, do protetor, de ter alguém para defender e não só correr para salvar o próprio rabo. Gratificante voltar a ser humano novamente. Marchamos juntos da massa de sobreviventes e logo avistamos o bode expiatório de nosso verdadeiro inimigo. As coisas estavam indo bem. Eles apenas ficaram lá parados, nós observando, quase que estátuas, deviam estar esperando apenas uma ordem para avançar, uma ordem que parecia que nunca iria vir.
                Porém, ela veio e ninguém gostou do que viu.
           Não entendi bem como a confusão começou. Apenas vi uma multidão enorme vindo em minha direção, correndo com aquelas caras de medo e urgência de um local seguro. Não quis ficar para saber o que estava rolando e bati em retirada também. Algo de muito ruim estava acontecendo. Avistei fogo, princípios de incêndio. Então, eu entendi o que estava acontecendo.
A minha gente que estava fazendo aquilo.           
Estávamos tão inflados, tão cheios de esperança que nós esquecemos que havia alguns de nós infectados pelo vírus da ignorância. Sem motivo, sem propósito e sem hesitar, eles avançavam sobre construções e pessoas, batiam e destruíam. Enfrentavam a tudo e a todos, como se eles próprios fossem a merda dos infectados! Seria possível que aquela pequena massa estivesse infectada de fato? Ou era só seu instinto mais primitivo agindo? Deixamos rapidamente o local para nossa segurança e pouco tempo depois ela havia se transformado em uma praça de guerra. Com meu radinho de pilha descobri que aquilo estava acontecendo em várias regiões do país, poucas haviam escapado do ataque. Armas mais mortais que palavras e bandeiras eram disparadas de ambos os lados. Os verdadeiros sobreviventes foram embora com o espírito de missão cumprida e paz no coração, enquanto aqueles novos infectados ficavam lá para serem derrotados. Que fossem. Eles não nos representavam, eles não pertenciam a nossa comunidade.
             Agora estou aqui, na segurança de meu esconderijo escrevendo estas linhas. Estou em dúvida se quero que este relato entre em algum livro de história. Pensei em deixar de contar certas coisas, amenizar outras, mas não me parece correto. Ainda que nossa marcha tenha dado resultado positivo na maior parte do tempo, era difícil ignorar que uma parcela de nos havia sido infectada. Meu espírito acabou pedindo para contar tudo, então tudo será contado e muitos vão se lembrar desta que foi a noite mais sombria de nosso levante.


                Eles NÃO nos representam!